Poeta, Cão

Curtis-Viviana é uma personagem interminável, sempre em vias de se construir e ao mesmo tempo se desfazendo, como se suas identidades flutuassem para desfazer toda e qualquer pista de alguém que por acaso queira segui-la. Nesta série ela faz as vezes de « Tirésias do Tejo », onde ela absorve o destino flutante de Odisseu. Ela se apropria desse mito que por não ter existido nos bastou, como escreveu acertadamente Fernando Pessoa, em Ulisses. Como um suplemento desta imagem vinda de flutuações da literatura, podemos apenas imaginar Curtis Putralk na posição actante de Penélope, ela tem o significante Argos aos seus pés. O cão permanece invisível na palavra, cego no vocábulo. Lola, assim, é a Penélope no sentido dado pela antropóloga grega Ioanna Papadopoulou-Belmehdi, onde Odisseu não passa de uma invenção de Penélope. E o pensamento da mulher que tece é tocado por estas águas. Le poète l’a bien prédit: « jamais il ne périra », son divin poème. Cependant la figure de Pénélope paraît ternie à nos yeux, fascinés que nous sommes par Ulysse, l’homme aux mille ruses et au cœur patient. Certes, elle nous est familière, cette reine triste qui occupe sa longue attente au tissage et à l’effilage d’une grande et fine toile, mais toute une tradition de lecture en a fait un personnage fade et inactif, le plus souvent une figure de fidélité conjugale et parfois de lascivité démesurée, mais sans plus. Or, le poème à la gloire éternelle réserve à Pénélope une tout autre place : au moment d’égrener les derniers vers de l’épopée du voyage, le lecteur rencontre une autre façon, insolite mais non moins homérique, de désigner l’Odyssée, comme « le chant de Pénélope », le chant d’une figure de mémoire et de ruse, associée à la création même de la poésie épique*.

Eduardo Jorge de Oliveira

(photo citando a João Cezar Monteiro)

Images de Viviana faites par Dado Amaral Lisboa 2016

*Papadopoulou-Belmehdi